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quarta-feira, 16 de maio de 2012

CLARICE DO MINGAU

                                                                                                                                                                 * Jorge Camafeu

            “Que mistério tem Clarice?” O poeta de Santo Amaro da Purificação, usando de seu viés especulativo, com argúcia, tenta desvendar a alma da mulher, quiçá da escritora. É válido? Claro que sim.
            Todavia, refiro-me aqui a outra Clarice, não menos nobre. Ipiauense da gema (não só os cariocas detém esse privilégio). CLARICE DO MINHAU    . Assim conhecida entre os nativos, é uma guerreira que atua sempre no arrebol, ou melhor, no amanhecer, saciando a fome dos noctívagos, dos madrugadores, dos viajantes, que tem a sorte de degustar o mingau clariceano.
            Em passado recente, Clarice vendia seu mingau na esquina da Praça Ruy Barbosa, próximo ao ponto de táxi. Aos domingos, os fieis de São Roque, padroeiro local, madames perfumadas, devidamente escoltadas rendiam-se aos prazeres degustativos que o famoso mingau lhes proporcionava.
            Reunia-se ali a pseudoelite rio-novense, político, é claro, estudantes, maçons e rotarianos e, também, garis, pedreiros, artífices outros, mulheres de vida fácil, os adeptos de destilados e/ou fermentados, os bebuns da madrugada, enfim, não havia discriminação de raça, cor ou credo. O que valia mesmo era o bate-papo, jogar conversa fora, a fuxicaria, a informação nova, quentinha, igual ao mingau de Clarice.
            O de milho com canela era o mais disputado. O arroz-doce sempre ficava em segundo plano. O bolo de tapioca, aipim, inhame, o complemento do manjar. Como era porreta aquela interação social!
            Vale ressaltar que mesmo quem andava financeiramente desprevenido, quebrado, descapitalizado, não tinha problemas.
            - Clarice, meu bem, a coisa tá feia, o bicho pegou; bota no pendura aí, tá legal?
            - Clarice cuidado com o pendura, o vagal tá de olho, presta atenção!
                  “Pendura” é aquele bloquinho em que se anota o fiado.
            Clarice, com sua alma límpida, nunca deixou o menos favorecido à mingaus do mingau. Quantas vezes, durante a graduação, ou melhor, buscando-a, ela liberava aquela que seria a única refeição matutina.
            - Vái istudá  mininu! Nossu futurou dependi de ocê! Aquele ali só que vadiá!
            O incentivo foi válido.
            É por essas e outras que CLARICE DO MINGAU estará sempre na memória daqueles que a conheceram (conhecem).
            Valeu Clarice!                                                                                                        *Jorge Camafeu é graduado em Letras Vernáculas e amador da História.
 P.S. Essa crônica obteve o 3º lugar no concurso de crônicas “Edvaldo Santiago – Tatái  na VII Semana de Letras promovida pela UNEB, campus XXI – Ipiaú.

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